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domingo, 10 de outubro de 2010

Pirajá da Silva o Descobridor do Schistosoma mansoni

Pirajá da Silva morou e trabalhou na cidade do Salvador (Estado da Bahia), tinha precárias condições de trabalho por isso suas descobertas denotaram suas genialidades e da tenacidade no enfrentamento das muitas condições adversas. No ano, em 23 de agosto de 1907, Pirajá da Silva no seu  humilde laboratório no Hospital Santa Isabel da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, então hospital de ensino da Fameb, observou o Treponema pallidum pela primeira vez no Estado da Bahia e, provavelmente, no Brasil. Pirajá da Silva usou cortes hispatológicos de lesões sifilíticas e estava fundamentado na descrição original, em 1905, do agente etiológico da sífilis por Schaudinn & Hoffmann.
Portanto, o seu tempo e as condições locais em nada favoreciam a descoberta de Pirajá da Silva. Não obstante, isso é ainda mais inimaginável se o examinador estiver impregnado dos atuais valores impostos pelo mercado da tecnociência. Mais ainda porque Pirajá da Silva estudava um espécime biológico ainda hoje pouco valorizado, as fezes humanas, e tinha como equipamento mais sofisticado um microscópio do tipo mono ocular; no entanto, era sólida a formação de Pirajá da Silva em Microbiologia e Parasitologia, inclusive considerando os seus relatórios de pesquisa e suas publicações. No início do ano de 1908, o prof. Pirajá da Silva passou a estudar todos os espécimes fecais dos pacientes internados nas enfermarias da 1ª Cadeira de Clínica Médica da Fameb, sediadas no Hospital Santa Isabel. Por essa ocasião, chamou sua atenção em alguns espécimes fecais examinados a presença de ovos com espículo lateral, observação que anteriormente, em 1904, não havia investigado detidamente. A partir daí passou a rever a literatura e pôde constatar a contenda, nascida no Egito e com ardorosos defensores na Inglaterra e na Alemanha, sobre a origem daquele elemento parasitário. Aqueles defensores da teoria unicista teoricamente julgavam os ovos observados nas fezes com espículo, terminal ou lateral, como originados de fêmeas do S. haematobium, sendo os laterais quando essas estavam não-fecundadas. Já os defensores da outra teoria, dita dualista, propugnavam, mas também sem fundamentação científica, que cada tipo de ovo era originado de duas diferentes espécies do gênero Schistosoma. Assim era o saber daquele momento, mas Pirajá da Silva não ficou partidário de nenhuma das teorias e resolveu obter mais resultados; por um lado, continuou os exames coproparasitológicos e formulou duas perguntas científicas:
Se os ovos de espículo lateral e terminal eram do S. haematobium, conforme a teoria unicista, estariam presentes na urina dos pacientes? Os pacientes com ovos com espículo lateral nas fezes, também os tinham na urina?
- Para responder a primeira pergunta, passou a investigar a urina dos pacientes com hematúria, pois conhecia a clínica da esquistossomose hematóbica, e também na Bahia o dr. Otto Wucherer, descobridor da filariose pela Wuchereria bancrofti, anos antes não havia observado ovos nas muitas urinas examinadas.
- Concomitantemente, buscava responder a segunda pergunta e após analisar o sedimento da urina centrifugada dos portadores de ovos com espículo lateral nas fezes também não encontrou “um só ovo” com àquela característica morfológica.
- Na época dos estudos de Pirajá da Silva, em 1908, havia quase 6 décadas da proibição do tráfico de escravos para o Brasil pela Coroa Inglesa e um pouco mais de 3 décadas da cessação completa do tráfico.
- Assim, e também considerando a reduzida expectativa de vida reinante no século XIX, especialmente entre a população escrava, deviam ser raras em 1908 as pessoas ex-escravas oriundas de regiões do continente africano com ocorrência do S. haematobium, desde que no Brasil não havia seu hospedeiro intermediário (moluscos do gênero Bulinus) e, portanto, não ocorria a transmissão ativa dessa espécie de Schistosoma.
      Com àquelas duas preciosas respostas às suas indagações, prof. Pirajá da Silva passou a estudar mais minuciosamente a morfologia do ovo, nas fezes, nas raspagens de mucosa retal ou em cortes histológicos de espécimes obtidos por biópsia da mucosa retal; em paralelo, também estudava o embrião (miracídio) intra-ovular e verificou que o modo da sua eclosão e a forma adquirida durante esse evento em muito diferenciava da descrita no ovo do S. haematobium.
       Contudo, o prof. Pirajá da Silva, como relatou ao prof. Itazil Benicio dos Santos (Vida e obra de Pirajá da Silva. José Olympio: Rio de Janeiro, 1977), ainda relutava sobre a solidez daquelas observações e assim continuou buscando provas mais incontestáveis para melhor caracterizar a nova espécie do gênero Schistosoma.
       A primeira delas ocorreu em 8 de julho de 1908, por ocasião da necropsia de um dos seus pacientes com ovos de espículo lateral nas fezes. Nesse paciente, em vários cortes histológicos da parede da bexiga não encontrou ovos com espículo lateral, os quais foram abundantes nos cortes da parede do reto-sigmóide.
       Falecido um outro paciente, também eliminador de ovos com espículo lateral, os exames hispatológicos conduzidos pelo prof. Pirajá da Silva mostraram os mesmos achados, mas nesse segundo caso observou pela primeira vez, em 25 de agosto de 1908, o verme adulto no sistema porta e nas suas ramificações.
       Mas só no terceiro caso necropsiado, em 4 de setembro daquele ano, foi possível diferenciar o macho da fêmea no sistema porta, pelo isolamento de 1 fêmea, 19 machos e mais dois casais de vermes, no total de 24 exemplares. Para completar suas observações, Pirajá da Silva encontrou nas 3 fêmeas isoladas, desse terceiro caso necropsiado, os seus úteros com ovos com espículo lateral.
       Em síntese, as observações posteriores, realizadas em outros pacientes necropsiados, deram a segurança ao prof. Pirajá da Silva de encaminhar e publicar três trabalhos na revista Brazil Médico, ao longo de 1908, e o quarto nesse mesmo ano no Archives de Parasitologie.
       Nessas quatro publicações, prof. Pirajá da Silva mostra com simplicidade e elegância quais as principais diferenças entre essa nova espécie do gênero Schistosoma e o S. haematobium, só depois denominada de S. mansoni.
        A contenda seguinte, movida pelo não reconhecimento da descoberta do prof. Pirajá da Silva, é mais própria do embate entre a Ciência e anti-ciência ou daqueles pesquisadores auto-avaliados como dominadores ou proprietários da Ciência versus os julgados dominados ou oriundos de lugares supostamente periféricos, como ainda muitos do dito primeiro mundo consideram os pesquisadores brasileiros.
        Por isso, é muito atual a leitura do livro de Edgard de Cerqueira Falcão (Pirajá da Silva: o incontestável descobridor do Schistosoma mansoni. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1959) e um outro, supracitado, de Itazil Benicio dos Santos, nos quais é mostrada como a salutar e desejável dúvida sobre um novo dado científico é substituída pela contenda originada na vaidade humana.
         Felizmente enquanto viveu o prof. Pirajá da Silva (1873-1961) foi considerado o “incontestável descobridor do Schistosoma mansoni”, e em 28 de Janeiro de 1955 recebeu também esse reconhecimento do Tropeninstitut de Hamburgo, por meio da Medalha Bernhard Nocht, pelo conjunto das suas contribuições à Medicina Tropical, cerimônia essa realizada no anfiteatro do Departamento de Parasitologia da Faculdade de Medicina da USP
    Visite as revistas http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/boletim_alerta_v14_n9.pdf
                         http://historyofmedicine.blogspot.com/2007/12/piraj-da-silva-quase-desconhecido-na.html

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